segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Casinhas

Postado em 04 de Janeiro de 2009


Uma crônica escrita há algum tempo já...



  Mal passava das duas da manhã no vacilante relógio de pulso.
  "Já devia ter amanhecido"- resmungava minha consciência entediada e impaciente.
  Olhava pela janela a escuridão que se descortinava inalterada pela passagem do trem silencioso. E essa escuridão, um espelho de quem no trem, ansiava pelo amanhecer. Mas o trem apenas cruzava essa noite, que a cada milha só parecia mais noite, longe de seu destino final. Era em algum lugar do Velho Mundo, onde os campos e as casinhas trazem a melancolia de um tempo que não vivi, mas que remetem a outros que jamais esqueci. Naquele momento, não as podia ver, engolidas pelo breu que se encontravam, mas a melancolia era a mesma e me remetia à visão recente que tivera delas.
  Era o mesmo trem, uma tarde chuvosa e fria, mas que a mim não atingia, no vagão aconchegante. A direção era contrária, naquela tarde eu ia, não voltava. E o último detalhe, mas não menos importante, naquela tarde estava acompanhada.
  Ele era fascinante, bem semelhante a mim, os mesmos gostos, quase como se fossemos a mesma alma partida em dois. Cappuccinos nos esquentavam o corpo, até nisso éramos parecidos. A presença um do outro nos esquentava a alma. Conversávamos, os mais variados assuntos, todos eles, porém, estranhamente ligados ao torpor melancólico que exalavam as tais casinhas, único fator externo que nos afetava no momento. Naquela tarde, eram seus olhos que serviam como espelhos da minha alma e pensei serem os meus também espelhos da sua, mas em vão. Por trás daquele olhar havia bem mais do que eu pensava enxergar. Era um ser inquieto, um cidadão do mundo, que a ninguém podia pertencer, nem mesmo a mim. E descobri isso da pior maneira.
  Era uma manhãzinha preguiçosa, os raios de Sol alegravam os passarinhos que passavam cantando na minha janela. E eu estava só. Talvez ele fosse como um daqueles passarinhos, que se achava feliz em voar, solto por aí, com a liberdade e o vento nos cabelos.
  "Quem sabe não nos encontramos um dia...", eram as palavras grafadas no bilhete apressado sobre a mesa.
  Sim, quem sabe um dia, e o que me resta, somente esperar, nada além disso está ao meu alcance. Apenas esperar, ansiar em vê-lo novamente e em ver a manhã despertar.
                                                                                                                                                                                                                   por Natascha S. Galvão




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